quarta-feira, 8 de julho de 2015

VAMOS FALAR DE ADAPTAÇÃO CURRICULAR? Um direito do aluno, um dever da escola.

               Sempre que falamos em inclusão de pessoas com deficiência na escola regular, em específico aqui as pessoas com TEA, nos deparamos com professores preocupados com “o que fazer” com relação aos conteúdos, a metodologia e as estratégias que são utilizadas em sala de aula. É muito comum ouvirmos “eles não acompanham a turma” ou “eles não entendem o que é para fazer”.
               De acordo com a LDB 9394/96, a União deverá incumbir-se de
IV- estabelecer, em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum;

E com relação à educação especial mais especificamente,
Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação:
I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;

               Além do exposto acima, de acordo com a nota técnica n° 24/2013 – MEC/SECADI/DPEE, que orienta os sistemas de ensino sobre a implementação da Lei n° 12.764/2012 que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista,
Para a realização do direito das pessoas com deficiência à educação, o art. 24 da CDPD (ONU/2006) estabelece que estas não devem ser excluídas do sistema regular de ensino sob alegação de deficiência, mas terem acesso a uma educação inclusiva, em igualdade de condições com as demais pessoas, na comunidade em que vivem e terem garantidas as adaptações razoáveis de acordo com suas necessidades individuais, no contexto do ensino regular, efetivando-se, assim, medidas de apoio em ambientes que maximizem seu desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena.

Assim sendo, é perceptível o direito do estudante com TEA ou qualquer outra deficiência e o dever do sistema de ensino, a adaptação curricular que está longe de ser como muitos ainda insistem em fazer: oferecer, por exemplo, um “desenho livre” ao aluno com TEA que se recusa escrever enquanto os demais colegas fazem uma atividade escrita sobre qualquer conteúdo do currículo. Adaptar, neste contexto, quer dizer tornar acessível. Ou seja, se o assunto da aula é corpo humano, TODOS, sem exceção, farão atividades sobre o corpo humano.
Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) podem aprender por memorização e não por intuição e têm dificuldade em transferir aptidões ou expectativas que aprenderam em determinada situação. Além disso, com imaginação limitada é difícil solucionar problemas, pensar com criatividade em certos aspectos, assim como entender piadas, brincar ou entender regras sociais (Moore, 2002).
               Somado a estas características, a dificuldade de comunicação pode acarretar certos comportamentos que para nós podem parecer rebeldia, como o uso de expressões “não vou fazer”, “não sei” (mesmo que saiba), ou ainda fuga como outras crianças fazem, com o uso de expressões como “estou com dor, liga para minha mãe”, quando uma situação lhe causa desconforto num momento de possível “desorganização interna”.
               Sabe-se também que a escrita manual é muitas vezes rejeitada, no entanto é preciso enfatizar que esta é uma característica que muitas pessoas com TEA apresentam, afinal, é muito mais cansativo e difícil para eles transformar algo “pensado” ou “lido” em letras, palavras ou sentenças grafadas. É um exercício muito complexo que leva muito tempo e demanda muita concentração, atenção, organização e coordenação motora, dificuldades muito presentes em suas vidas.
Na escola, tais características e dificuldades se tornam mais evidentes em função da visibilidade e da própria dinâmica escolar e, a adaptação do ambiente bem como a curricular se faz necessária para que a aprendizagem seja garantida a este estudante. E vocês devem estar perguntando: como adaptar?
               O primeiro passo é conhecer as potencialidades do seu aluno com TEA, bem como suas dificuldades. A partir disso, pense em sua sala de aula como um todo e pergunte-se: o que posso fazer para atender a TODOS sem que as potencialidades do meu aluno com TEA sejam desprezadas e suas dificuldades virem barreiras durante a atividade? Ou ainda, elabore a atividade para a turma e pense numa estratégia para que seu aluno com TEA possa realizá-la também, em dupla, oralmente ou de qualquer outra maneira que o fizer mais confortável. O importante é que ele participe da aula e tenha acesso ao mesmo currículo que os demais colegas de sua turma!
               Em muitos casos, menos é mais! Diminuir a quantidade de questões, reduzir ou resumir um texto são estratégias simples e que podem fazer uma enorme diferença, a TODOS!
               Ainda podemos contar com outras estratégias, como: questões curtas e objetivas; nunca ser subjetivo, usar pegadinhas ou charges; testes de múltipla escolha (sem pegadinhas, com alternativas bem objetivas); interpretação de gráficos, figuras, imagens e diagramas; reconhecimento de informações ausentes ou erradas; identificação de semelhanças e diferenças; cruzadinhas e caça palavras; reconhecimento de informações em um texto com a possibilidade de grifar ou circular a resposta correta; utilização de filmes em detrimento a leitura de livros, e tudo mais que sua imaginação e criatividade permitirem!

               Enfim, penso que muito acima de leis, decretos, notas técnicas e afins, está o aluno com suas características específicas, dentro ou não do Espectro Autista, nos aguardando ansiosos para a próxima aula! Até mais...

quinta-feira, 11 de junho de 2015

ENTRE PAIS E PROFESSORES: UMA CONVERSA FRANCA

Sabe aquela sensação de que você não está fazendo a coisa certa? Pois é, é isto que sinto quando vocês professores me questionam sobre as atitudes do meu filho. Sim, sou capaz de reconhecer a minha incapacidade de dar limites e ensinar regras básicas de convivência social. Tenho vergonha, tenho vontade de chorar, gritar, sair correndo, pedir socorro, na esperança de que alguém ou algo aconteça e tudo aquilo deixe de existir.
               Sim, eu sei que vocês também sofrem. Sou professora também. É um sentimento de incapacidade de domínio da turma, e até de “como posso permitir que me trate assim perante os outros 40? Ele não é nada meu, é um mal educado! Imagina se todos resolvem agir assim...”. Sei que num momento de agressão verbal que seja, a vontade é de punir, de que saiam com aquele aluno dali, de que ele não existisse ali, ou até mesmo de nós mesmos sumirmos. Aí vem o choro, a raiva, o questionamento sobre o que é ser professor. Sei bem o que é isso.
Mas espera um pouco, preciso lhes contar uma coisa, um detalhe de nossas vidas que talvez os façam refletir um pouco sobre essa acusação que é muito presente nas escolas. E que eu mesma já fiz antes de começar a olhar melhor para o meu filho.
Uma folha de papel me separa do meu filho, da minha capacidade de ensinar e da capacidade dele de aprender, assim como deve separar muitas outras mães de seus filhos. Um diagnóstico, um histórico que vocês não conhecem e que talvez nem se preocuparam em conhecer antes de julgar. É como julgar a birra de uma criança no meio de um shopping...
O diagnóstico de Síndrome de Asperger (SA) ou Transtorno do Espetro Autista (TEA) faz toda diferença. As crianças com SA não percebem o mundo como seus colegas, podem ter dificuldade em se colocar no lugar do outro, suas habilidades de planejamento, priorização e organização (funções executivas) podem ser muito afetadas, normalmente são pensadores rígidos quanto a opiniões e mudanças, pouco controlam seus impulsos, podem possuir boa memória para decorar, mas ter dificuldade com a memória significativa, podem apresentar deficiências de aprendizado ou apresentar talentos ou habilidades superiores, mas terem dificuldade para a escrita, entre tantas outras características.
Essas características que se apresentam de modo singular em cada criança com SA (não existe um Aspie igual ao outro!), os faz “funcionar” e aprender de forma diferente dos demais. Os tornam ansiosos, uns mais outros menos, é fato, o que pode acarretar a algumas crianças comportamentos indesejados em sala de aula, como a autoagressão ou a heteroagressão, que pode ser verbal ou física ou ainda comportamentos destrutivos que atingem objetos e mobiliários.
Então eles nunca vão aprender as regras sociais, por exemplo? Sim, claro que vão! Mas de uma maneira diferente e num tempo diferente. A punição não vai funcionar como para os outros talvez funcione (eu acho que não funciona com ninguém, mas é minha opinião!), mas um trabalho de responsabilização e de muita conversa concreta, no dia a dia e contínua, com o apoio dos profissionais da saúde, como o psicólogo e o psiquiatra, além do psicopedagogo ou do educador especial, pode garantir (e por experiência própria) o sucesso da aprendizagem.
Mas o que o professor faz numa situação que foge do controle, de “explosão”? Nada. Como assim? Depois que houve a “explosão” é importante que a criança se acalme sozinha, sem estímulos sensoriais, ou seja, tire-o daquele ambiente ou retire a todos dali e retome a situação somente quando tiver certeza de que está tudo sob controle, caso contrário estará correndo o risco de piorar tudo. As “explosões” ocorrem porque a criança está internamente “desorganizada” e não consegue comunicar o que está sentindo. Somente se acalmará quando se sentir confortável, fora de perigo. No entanto, há como se evitar que situações extremas aconteçam.
É importante que mesmo com uma sala superlotada vocês não percam a criança de vista, para isso, coloque-a sempre na primeira carteira, perto de suas mesas, pois a qualquer sinal de maior ansiedade, irritabilidade, inquietude, hiperatividade, vocês poderão sugerir que dê uma volta, tome uma água ou mesmo leve um bilhete a algum lugar a fim de que tenha tempo para se acalmar. Num trabalho em grupo, por exemplo, circulem pela sala, num trabalho em dupla, dêem preferência a colocá-la junto ao colega de maior empatia e que mais tenha paciência. Outras inúmeras estratégias são possíveis, converse, mantenha uma relação de colaboração com o professor especialista ou com o psicopedagogo que atende a criança. Faça combinados, eles costumam ser muito fiéis quando combinam algo!
Enfim, é sim possível ter um Aspie em sala de aula, desde que tenhamos conhecimento de suas características. Para isso, não hesitem em perguntar à família e à equipe que o atende. Tenha-os como parceiros de trabalho. Conhecendo suas particularidades vocês vão conseguir antecipar episódios disruptivos e aproveitar todo potencial cognitivo que um Aspie pode oferecer!

terça-feira, 26 de maio de 2015

DE PROFESSOR PARA PROFESSOR

Bem sabemos o quanto está difícil a sala de aula hoje em dia, não é mesmo? Salas superlotadas, alunos indisciplinados, falta de recursos, sem falar na falta de incentivo moral, psíquico e econômico. 

Para “ajudar” há esta tal de escola inclusiva, a qual se trabalha com uma diversidade que não conhecemos e que não fomos formados para formar. São pessoas com diversos tipos de deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e superdotação e altas habilidades que se misturam àqueles que não se encaixam em nenhum destes quadros, nem mesmo à normalidade, mas que apresentam dificuldades de aprendizagem, déficit de atenção, transtornos de humor, etc, etc, etc.

O professor no mínimo deve ser um super-herói não é mesmo? Não. Não há necessidade para tanto.
Vamos pensar em especial no árduo trabalho com os alunos com transtornos globais do desenvolvimento (TGD), ou como queiram transtornos do espectro autista (TEA), ou ainda, simplificando, os autistas. Este público, em especial, é especial, não? Cada um é um. Cada um com um conjunto distinto de características, introspectivos ou hiperativos, não verbais ou falantes demais, agressivos ou passivos, ótimos em matemática ou em música, enfim, uma infinidade de características que percebemos com o convívio e que nem sempre sabemos lidar.

Imaginem um estudante que apresente grau leve de TEA, síndrome de asperger, inteligente, falante, hiperativo, rigidez de pensamento, dificuldade em lidar com frustrações e muita dificuldade em sociabilização. Chega à escola, como de costume, dirige-se à sala de aula com uma rotina organizada em sua mente (sim eles se prendem muito a rotinas!), e de repente é surpreendido com a notícia de que naquele dia o professor de matemática faltará.

É a disciplina que ele mais gosta, está mais adiantado que toda a turma e estava ansioso pela aula (sim eles podem sofrer de transtorno de ansiedade!) porque tinha feito um exercício extra e queria muito saber a resposta. Pronto, a rotina que antes estava organizada se desorganiza e causa um enorme desconforto. Este aluno levará um tempo até que tudo volte ao seu lugar internamente. Até aí tudo bem, não fosse a professora da aula seguinte entrar e dar o seguinte comando: façam um texto de 20 linhas sobre suas férias. O aluno questiona a professora, usando seus argumentos: não vou fazer porque agora era aula de matemática e não sou obrigado a contar sobre as minhas férias para ninguém. A professora responde usando os seus argumentos: problema seu, vai ficar sem nota. Pronto, o que estava desorganizado contribui para que este estudante não consiga pensar que aquela professora estaria cumprindo o que fora lhe ordenado, no caso, cobrir o horário e cumprir com o conteúdo, e que se conversasse adequadamente talvez pudesse chegar a um acordo com a mesma, como qualquer outro aluno pudesse fazer. Booom! A aula acaba ali, professora destroçada, aluno extremamente agressivo e desconsertado, vamos chamar a família (este é um assunto para um próximo post).

A prática pedagógica nos permite manobras, até em momentos como este, e se pararmos para refletir sobre nossa ação docente perceberemos que fazemos muito, mas é a busca por conhecimento, a atualização de saberes e a leitura constante que nos faz cada vez melhor e mais próximo da realidade que temos.

Tenho certeza de que devem estar pensando: na teoria é uma coisa, na prática é outra... Concordo, mas em partes. Pode ser que com a prática aprendemos a lidar com o problema ali, naquele momento, mas o que estaria por trás daquilo tudo? Como evitar para que não aconteça novamente? O que precisaria ter feito para evitar que acontecesse?

O mundo mudou. Nós mudamos. Nossos alunos mudaram. E nossa prática docente, é a mesma de quando nos formamos? Mario Sérgio Cortella, em palestra sobre os paradigmas da tecnologia na educação, nos chama de “professores mornos” se assim pensamos (clique aqui para saber mais), diz que se “Eu nasci a 10000 anos atrás” como dizia Raul Seixas, e continuo pensando como tal, não cresci, não aprendi. Logo, se não sou bom “aprendente”, não sou bom “ensinante”.

Sendo assim, para saber mais sobre TEA, sugiro algumas andanças pelas quais iniciei minha jornada como professora de adolescentes com autismo e mãe de Aspie... Divirtam-se: