segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A fase do luto, rearranjo e aceitação após um diagnóstico de Síndrome Asperger e as relações da família com a escola



Preciso compartilhar uma experiência vivida por mim, enquanto mãe. Me identifiquei demais com o texto "Aspectos do Desenvolvimento na idade escolar e na adolescência" (RODRIGUES e MELCHIORI, 2014), principalmente quando trata das fases que as famílias passam (OMOTE, 1981). A fase do rearranjo (quando a família se rearranja para atender um filho especial) é muito clara na minha vida, fui escolhida como a principal responsável do meu filho pelo curso natural que a vida da minha família tomou. O diagnóstico foi tardio e a dificuldade da escola era tanta que precisamos passar pelo luto de uma maneira nada adequada, como se tudo o que decidíamos fosse “para ontem”. Ainda estou em luto, mas já no estágio de aceitação, quando decidi me afastar da sala de aula para poder me dedicar melhor ao meu filho e a outras crianças que passam pela mesma situação. Sim, estou de licença sem vencimentos, mas não abdiquei de todos os meus sonhos, estou aproveitando para estudar e prestar assessoria pedagógica, o que não me afasta totalmente da escola. Isso seria a morte...

Ainda tem a questão da relação escola-família. Infelizmente a realidade da escola é bem diferente da idealizada, a escola está sempre perdida a cada situação. Tomei a frente na escola que consegui uma vaga para meu filho e antes do início das aulas falei com a educadora especial que dá apoio ali, pensando que ela faria a “ponte” entre educação especial, professor da classe comum e família, mas, não deu muito certo. Então, fui a uma reunião com os professores da sala dele (8 no total) e levei um PEI elaborado pela médica, pela psicopedagoga e por mim, no qual constava as necessidades e também as habilidades e competências do João, além de dicas de manejo e adaptações possíveis de serem feitas em tarefas escolares da turma toda a fim de garantir de fato a inclusão. Os professores, pelo menos, leram? Talvez...

Hoje, já se passou um semestre e só fui chamada na escola para tomar ciência de algumas ocorrências de agressão e para as reuniões de pais (2), chamadas no texto de “gerais”. Na primeira reunião, eu tinha o objetivo de conversar com os demais pais, porém fui impedida pela professora que a conduzia. Insisti e quase fui colocada para fora até que os pais me autorizaram a falar enquanto a professora chamava a diretora para tomar “medidas cabíveis”. Falava da condição do João, das suas potencialidades e também sobre a necessidade de estabelecer uma parceria com eles para garantir que os colegas fossem mais compreensivos quando a diretora entrou e pediu que eu continuasse. Depois a mesma me disse que a escola precisava daquilo, pois não podem expor nenhuma criança. Aí me fica a dúvida... Buscar parceria com a comunidade seria “expor” a criança? 

A segunda reunião foi mais tranquila, mas precisei ouvir da mesma professora que quase me tirou da primeira reunião, que meu filho não tinha sido avaliado porque ele não faz nada. Questionei se era adequado esperar o final do bimestre para me dizer aquilo. Também perguntei por que não o encaminhou para o AEE ou não enviou as atividades para que a educadora especial trabalhasse com ele ou mesmo que ele fizesse em casa sob a minha supervisão. Ela me disse que a educadora especial não foi buscar... E assim vamos indo!

Então me pergunto: as escolas estão preparadas? Definitivamente não. As famílias teriam a mesma iniciativa que eu tive? Também não. Talvez por falta de conhecimento ou orientação, o que eu mesma fui buscar.

O que falta? Talvez um canal aberto, um contato amistoso, o saber lidar com o luto tanto pela família como pela escola (MELCHIORI et al., 2014)? São muitas as dúvidas ainda...

Mesmo assim, ainda nos dias de hoje, ser rotulada de mãe super-protetora e que não dá limites, é muito mais cômodo para o professor do que ouvir dicas, anseios e necessidades de uma pessoa que acima do “ser simplesmente mãe”, é estudiosa, comprometida e detentora de conhecimentos que talvez ele não tenha. Me parece que o professor, neste caso, é o único detentor da verdade e do saber fazer, ou talvez seu orgulho não permita que enxergue a realidade como realmente é.

RODRIGUES, O.M.P.R; MELCHIORI, L.E. Aspectos do desenvolvimento na idade escolar e na adolescência. Disponível em acervodigital.unesp.br/bitstream/unesp/155338/3/unesp-nead_reei1_ee_d06_s01_texto01.pdf Acesso em 25/08/2014

O Projeto Político Pedagógico como instrumento de reflexão e trabalho colaborativo




O caso ocorreu com meu filho. Era abril de 2013, João com Síndrome de Asperger no 6º ano do EFII da escola que eu trabalhava no ensino médio, aliás, mais parecia duas escolas com coordenadores e professores diferentes para os 2 níveis de ensino, portanto, eu não tinha contato com os meus colegas daquele em que se encontrava meu filho. Eu tinha conhecimento técnico e prático da síndrome, o que me deixava confortável em lidar com as mais diversas situações conflitantes, no entanto, eu não podia contribuir naquele espaço, pois como sempre, para aqueles profissionais, eu era mais uma mãe que “mimava e protegia” seu filho. Situação difícil!

João era novo na escola, estava na difícil fase de transição do EFI para o EFII, como todos os seus colegas, porém, com um agravante, seu diagnóstico que era claro quando dizia que tinha déficit de habilidades sociais e que poderia se tornar agressivo ao não saber lidar com suas frustrações e provocações dos colegas. Era o mais falante da sala e também o que apresentava melhor desenvolvimento cognitivo, embora se recusasse a escrever e quando fazia era o mais objetivo possível. Seus professores não estavam preparados, não aceitavam o fato de ele ser tão inteligente e não aceitar as regras mais banais de uma sala de aula, como não sair da sala sem permissão ou ter o dever de ficar sentado e escutando enquanto apenas o professor fala.

Lucas *, o professor de história, teve um contratempo com o João na sala de aula durante uma atividade uma semana antes de propor a visita a um museu. João adora museus. Na ocasião, como punição, o proibiu de fazer a tal visita, pois temia que ele não se comportasse e que até pudesse causar algum dano às peças do museu (fez isso mesmo sabendo que ele iria acompanhado de sua psicóloga). João saiu chorando da escola, pois fora o único que não recebera o bilhete. A coordenadora, então, veio até mim e me colocou a par da situação. Fiquei estarrecida, meio que sem rumo e naquele momento, questionei em pleno pátio, na frente do meu filho e seus colegas não só a conduta do professor, mas também a conivência daquela senhora. Fiz besteira...

Diante da situação acima pergunto: que mãe aceitaria uma coisa daquelas? Pois é, é aí que errei feio... Eu não era apenas uma mãe ali, era também educadora e estava expondo não só meu filho, mas um aluno, uma coordenadora, um professor.

Neste caso, preconceito, discriminação, intolerância, desigualdade, falta de respeito às diferenças e falta de conhecimento podem ser identificados na atitude do professor de história e da coordenadora, mas e quanto às minhas atitudes? Paciência e respeito se perderam naquele momento. Faltou a reflexão sobre as atitudes do João que levaram o professor e coordenadora agirem daquela forma e, sobretudo, o reconhecimento de que ninguém é obrigado a deter o mesmo conhecimento que eu já possuía a respeito do meu filho.

Se a formação inicial é insuficiente para lidar com esta realidade, o que podemos fazer? 

O PPP - Projeto Político Pedagógico, é o documento norteador de uma escola, que deve ser construído com total participação da comunidade escolar (professores, alunos, pais e demais funcionários), então, tanto eu como aquele professor tínhamos participado da sua elaboração e “revisitação” e sabíamos claramente como proceder em relação à educação especial, à ética, aos valores, ao ensino e à aprendizagem numa “Escola para Todos”, certo? Errado.

Naquela escola não havia trabalho colaborativo com pais, tampouco qualquer Reunião Pedagógica formativa sobre a educação especial, quanto mais um PPP conhecido e discutido por todos. 

Neste sentido, como os professores poderiam refletir seus dilemas e sucessos (diria também insucessos) a fim de contribuir para o papel social da escola (NEME e SANTOS, 2014)? Como eu, enquanto professora, poderia interferir de maneira diferente naquela situação se meus próprios colegas insistiam que quando se tratava do João eu era apenas mãe? Como o professor de história e a coordenadora poderiam utilizar outras habilidades a fim de propor uma alternativa, se aquela era a conduta de qualquer um (ser proibido de fazer algo prazeroso) para qualquer aluno que fosse indisciplinado quando não se prevê nada de diferente ou reflexivo?

A ausência de um processo formativo/reflexivo (prática) a partir da nossa realidade, da ética e do trabalho sobre valores como tolerância, igualdade, justiça, respeito às diferenças, cuidado, dignidade e responsabilidade propiciaram aquela situação desconcertante, afinal, não “é na prática e na reflexão sobre esta prática que podemos construir novos conhecimentos e aprender novas habilidades” (SANTOS e NEME, 2014, p.8)?

Acredito que a “chave” da questão está no trabalho coletivo, reflexivo e formativo, na construção de um PPP com ética, baseado em valores e na realidade que temos e, acima de tudo, no desenvolvimento da competência (do professor) de resolver problemas pedagógicos, por meio da formação em serviço baseada em fatos reais (MANTOAN, 2003).


*Nome fictício

Referências
MANTOAN, M.T.E. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.
NEME, C.M.B.; SANTOS, M.A.P. Ética: conceitos e fundamentos. 2014. Disponível em: www.acervodigital.unesp.br/bitstream/unesp/155316/1/unesp-nead_reei1_ee_d05_texto1.pdf Acesso em 19 jul 2014.

SANTOS, M.A.P.; NEME, C.M.B. A profissão docente e o cotidiano escolar: questões reflexivas e dilemas éticos da Educação Especial e Inclusiva. 2014. Disponível em: www.acervodigital.unesp.br/bitstream/unesp/155317/1/unesp-nead_reei1_ee_d05_texto2.pdf Acesso em 17 jul 2014.