segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O Projeto Político Pedagógico como instrumento de reflexão e trabalho colaborativo




O caso ocorreu com meu filho. Era abril de 2013, João com Síndrome de Asperger no 6º ano do EFII da escola que eu trabalhava no ensino médio, aliás, mais parecia duas escolas com coordenadores e professores diferentes para os 2 níveis de ensino, portanto, eu não tinha contato com os meus colegas daquele em que se encontrava meu filho. Eu tinha conhecimento técnico e prático da síndrome, o que me deixava confortável em lidar com as mais diversas situações conflitantes, no entanto, eu não podia contribuir naquele espaço, pois como sempre, para aqueles profissionais, eu era mais uma mãe que “mimava e protegia” seu filho. Situação difícil!

João era novo na escola, estava na difícil fase de transição do EFI para o EFII, como todos os seus colegas, porém, com um agravante, seu diagnóstico que era claro quando dizia que tinha déficit de habilidades sociais e que poderia se tornar agressivo ao não saber lidar com suas frustrações e provocações dos colegas. Era o mais falante da sala e também o que apresentava melhor desenvolvimento cognitivo, embora se recusasse a escrever e quando fazia era o mais objetivo possível. Seus professores não estavam preparados, não aceitavam o fato de ele ser tão inteligente e não aceitar as regras mais banais de uma sala de aula, como não sair da sala sem permissão ou ter o dever de ficar sentado e escutando enquanto apenas o professor fala.

Lucas *, o professor de história, teve um contratempo com o João na sala de aula durante uma atividade uma semana antes de propor a visita a um museu. João adora museus. Na ocasião, como punição, o proibiu de fazer a tal visita, pois temia que ele não se comportasse e que até pudesse causar algum dano às peças do museu (fez isso mesmo sabendo que ele iria acompanhado de sua psicóloga). João saiu chorando da escola, pois fora o único que não recebera o bilhete. A coordenadora, então, veio até mim e me colocou a par da situação. Fiquei estarrecida, meio que sem rumo e naquele momento, questionei em pleno pátio, na frente do meu filho e seus colegas não só a conduta do professor, mas também a conivência daquela senhora. Fiz besteira...

Diante da situação acima pergunto: que mãe aceitaria uma coisa daquelas? Pois é, é aí que errei feio... Eu não era apenas uma mãe ali, era também educadora e estava expondo não só meu filho, mas um aluno, uma coordenadora, um professor.

Neste caso, preconceito, discriminação, intolerância, desigualdade, falta de respeito às diferenças e falta de conhecimento podem ser identificados na atitude do professor de história e da coordenadora, mas e quanto às minhas atitudes? Paciência e respeito se perderam naquele momento. Faltou a reflexão sobre as atitudes do João que levaram o professor e coordenadora agirem daquela forma e, sobretudo, o reconhecimento de que ninguém é obrigado a deter o mesmo conhecimento que eu já possuía a respeito do meu filho.

Se a formação inicial é insuficiente para lidar com esta realidade, o que podemos fazer? 

O PPP - Projeto Político Pedagógico, é o documento norteador de uma escola, que deve ser construído com total participação da comunidade escolar (professores, alunos, pais e demais funcionários), então, tanto eu como aquele professor tínhamos participado da sua elaboração e “revisitação” e sabíamos claramente como proceder em relação à educação especial, à ética, aos valores, ao ensino e à aprendizagem numa “Escola para Todos”, certo? Errado.

Naquela escola não havia trabalho colaborativo com pais, tampouco qualquer Reunião Pedagógica formativa sobre a educação especial, quanto mais um PPP conhecido e discutido por todos. 

Neste sentido, como os professores poderiam refletir seus dilemas e sucessos (diria também insucessos) a fim de contribuir para o papel social da escola (NEME e SANTOS, 2014)? Como eu, enquanto professora, poderia interferir de maneira diferente naquela situação se meus próprios colegas insistiam que quando se tratava do João eu era apenas mãe? Como o professor de história e a coordenadora poderiam utilizar outras habilidades a fim de propor uma alternativa, se aquela era a conduta de qualquer um (ser proibido de fazer algo prazeroso) para qualquer aluno que fosse indisciplinado quando não se prevê nada de diferente ou reflexivo?

A ausência de um processo formativo/reflexivo (prática) a partir da nossa realidade, da ética e do trabalho sobre valores como tolerância, igualdade, justiça, respeito às diferenças, cuidado, dignidade e responsabilidade propiciaram aquela situação desconcertante, afinal, não “é na prática e na reflexão sobre esta prática que podemos construir novos conhecimentos e aprender novas habilidades” (SANTOS e NEME, 2014, p.8)?

Acredito que a “chave” da questão está no trabalho coletivo, reflexivo e formativo, na construção de um PPP com ética, baseado em valores e na realidade que temos e, acima de tudo, no desenvolvimento da competência (do professor) de resolver problemas pedagógicos, por meio da formação em serviço baseada em fatos reais (MANTOAN, 2003).


*Nome fictício

Referências
MANTOAN, M.T.E. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.
NEME, C.M.B.; SANTOS, M.A.P. Ética: conceitos e fundamentos. 2014. Disponível em: www.acervodigital.unesp.br/bitstream/unesp/155316/1/unesp-nead_reei1_ee_d05_texto1.pdf Acesso em 19 jul 2014.

SANTOS, M.A.P.; NEME, C.M.B. A profissão docente e o cotidiano escolar: questões reflexivas e dilemas éticos da Educação Especial e Inclusiva. 2014. Disponível em: www.acervodigital.unesp.br/bitstream/unesp/155317/1/unesp-nead_reei1_ee_d05_texto2.pdf Acesso em 17 jul 2014.

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