quinta-feira, 11 de junho de 2015

ENTRE PAIS E PROFESSORES: UMA CONVERSA FRANCA

Sabe aquela sensação de que você não está fazendo a coisa certa? Pois é, é isto que sinto quando vocês professores me questionam sobre as atitudes do meu filho. Sim, sou capaz de reconhecer a minha incapacidade de dar limites e ensinar regras básicas de convivência social. Tenho vergonha, tenho vontade de chorar, gritar, sair correndo, pedir socorro, na esperança de que alguém ou algo aconteça e tudo aquilo deixe de existir.
               Sim, eu sei que vocês também sofrem. Sou professora também. É um sentimento de incapacidade de domínio da turma, e até de “como posso permitir que me trate assim perante os outros 40? Ele não é nada meu, é um mal educado! Imagina se todos resolvem agir assim...”. Sei que num momento de agressão verbal que seja, a vontade é de punir, de que saiam com aquele aluno dali, de que ele não existisse ali, ou até mesmo de nós mesmos sumirmos. Aí vem o choro, a raiva, o questionamento sobre o que é ser professor. Sei bem o que é isso.
Mas espera um pouco, preciso lhes contar uma coisa, um detalhe de nossas vidas que talvez os façam refletir um pouco sobre essa acusação que é muito presente nas escolas. E que eu mesma já fiz antes de começar a olhar melhor para o meu filho.
Uma folha de papel me separa do meu filho, da minha capacidade de ensinar e da capacidade dele de aprender, assim como deve separar muitas outras mães de seus filhos. Um diagnóstico, um histórico que vocês não conhecem e que talvez nem se preocuparam em conhecer antes de julgar. É como julgar a birra de uma criança no meio de um shopping...
O diagnóstico de Síndrome de Asperger (SA) ou Transtorno do Espetro Autista (TEA) faz toda diferença. As crianças com SA não percebem o mundo como seus colegas, podem ter dificuldade em se colocar no lugar do outro, suas habilidades de planejamento, priorização e organização (funções executivas) podem ser muito afetadas, normalmente são pensadores rígidos quanto a opiniões e mudanças, pouco controlam seus impulsos, podem possuir boa memória para decorar, mas ter dificuldade com a memória significativa, podem apresentar deficiências de aprendizado ou apresentar talentos ou habilidades superiores, mas terem dificuldade para a escrita, entre tantas outras características.
Essas características que se apresentam de modo singular em cada criança com SA (não existe um Aspie igual ao outro!), os faz “funcionar” e aprender de forma diferente dos demais. Os tornam ansiosos, uns mais outros menos, é fato, o que pode acarretar a algumas crianças comportamentos indesejados em sala de aula, como a autoagressão ou a heteroagressão, que pode ser verbal ou física ou ainda comportamentos destrutivos que atingem objetos e mobiliários.
Então eles nunca vão aprender as regras sociais, por exemplo? Sim, claro que vão! Mas de uma maneira diferente e num tempo diferente. A punição não vai funcionar como para os outros talvez funcione (eu acho que não funciona com ninguém, mas é minha opinião!), mas um trabalho de responsabilização e de muita conversa concreta, no dia a dia e contínua, com o apoio dos profissionais da saúde, como o psicólogo e o psiquiatra, além do psicopedagogo ou do educador especial, pode garantir (e por experiência própria) o sucesso da aprendizagem.
Mas o que o professor faz numa situação que foge do controle, de “explosão”? Nada. Como assim? Depois que houve a “explosão” é importante que a criança se acalme sozinha, sem estímulos sensoriais, ou seja, tire-o daquele ambiente ou retire a todos dali e retome a situação somente quando tiver certeza de que está tudo sob controle, caso contrário estará correndo o risco de piorar tudo. As “explosões” ocorrem porque a criança está internamente “desorganizada” e não consegue comunicar o que está sentindo. Somente se acalmará quando se sentir confortável, fora de perigo. No entanto, há como se evitar que situações extremas aconteçam.
É importante que mesmo com uma sala superlotada vocês não percam a criança de vista, para isso, coloque-a sempre na primeira carteira, perto de suas mesas, pois a qualquer sinal de maior ansiedade, irritabilidade, inquietude, hiperatividade, vocês poderão sugerir que dê uma volta, tome uma água ou mesmo leve um bilhete a algum lugar a fim de que tenha tempo para se acalmar. Num trabalho em grupo, por exemplo, circulem pela sala, num trabalho em dupla, dêem preferência a colocá-la junto ao colega de maior empatia e que mais tenha paciência. Outras inúmeras estratégias são possíveis, converse, mantenha uma relação de colaboração com o professor especialista ou com o psicopedagogo que atende a criança. Faça combinados, eles costumam ser muito fiéis quando combinam algo!
Enfim, é sim possível ter um Aspie em sala de aula, desde que tenhamos conhecimento de suas características. Para isso, não hesitem em perguntar à família e à equipe que o atende. Tenha-os como parceiros de trabalho. Conhecendo suas particularidades vocês vão conseguir antecipar episódios disruptivos e aproveitar todo potencial cognitivo que um Aspie pode oferecer!