Sabe aquela
sensação de que você não está fazendo a coisa certa? Pois é, é isto que sinto
quando vocês professores me questionam sobre as atitudes do meu filho. Sim, sou
capaz de reconhecer a minha incapacidade de dar limites e ensinar regras
básicas de convivência social. Tenho vergonha, tenho vontade de chorar, gritar,
sair correndo, pedir socorro, na esperança de que alguém ou algo aconteça e
tudo aquilo deixe de existir.
Sim,
eu sei que vocês também sofrem. Sou professora também. É um sentimento de incapacidade
de domínio da turma, e até de “como posso permitir que me trate assim perante
os outros 40? Ele não é nada meu, é um mal educado! Imagina se todos resolvem
agir assim...”. Sei que num momento de agressão verbal que seja, a vontade é de
punir, de que saiam com aquele aluno dali, de que ele não existisse ali, ou até
mesmo de nós mesmos sumirmos. Aí vem o choro, a raiva, o questionamento sobre o
que é ser professor. Sei bem o que é isso.
Mas espera um
pouco, preciso lhes contar uma coisa, um detalhe de nossas vidas que talvez os
façam refletir um pouco sobre essa acusação que é muito presente nas escolas. E
que eu mesma já fiz antes de começar a olhar melhor para o meu filho.
Uma folha de
papel me separa do meu filho, da minha capacidade de ensinar e da capacidade
dele de aprender, assim como deve separar muitas outras mães de seus filhos. Um
diagnóstico, um histórico que vocês não conhecem e que talvez nem se preocuparam
em conhecer antes de julgar. É como julgar a birra de uma criança no meio de um
shopping...
O diagnóstico
de Síndrome de Asperger (SA) ou Transtorno do Espetro Autista (TEA) faz toda
diferença. As crianças com SA não percebem o mundo como seus colegas, podem ter
dificuldade em se colocar no lugar do outro, suas habilidades de planejamento,
priorização e organização (funções executivas) podem ser muito afetadas,
normalmente são pensadores rígidos quanto a opiniões e mudanças, pouco
controlam seus impulsos, podem possuir boa memória para decorar, mas ter
dificuldade com a memória significativa, podem apresentar deficiências de
aprendizado ou apresentar talentos ou habilidades superiores, mas terem
dificuldade para a escrita, entre tantas outras características.
Essas
características que se apresentam de modo singular em cada criança com SA (não
existe um Aspie igual ao outro!), os faz “funcionar” e aprender de forma diferente
dos demais. Os tornam ansiosos, uns mais outros menos, é fato, o que pode
acarretar a algumas crianças comportamentos indesejados em sala de aula, como a
autoagressão ou a heteroagressão, que pode ser verbal ou física ou ainda
comportamentos destrutivos que atingem objetos e mobiliários.
Então eles
nunca vão aprender as regras sociais, por exemplo? Sim, claro que vão! Mas de
uma maneira diferente e num tempo diferente. A punição não vai funcionar como
para os outros talvez funcione (eu acho que não funciona com ninguém, mas é
minha opinião!), mas um trabalho de responsabilização e de muita conversa
concreta, no dia a dia e contínua, com o apoio dos profissionais da saúde, como
o psicólogo e o psiquiatra, além do psicopedagogo ou do educador especial, pode
garantir (e por experiência própria) o sucesso da aprendizagem.
Mas o que o
professor faz numa situação que foge do controle, de “explosão”? Nada. Como
assim? Depois que houve a “explosão” é importante que a criança se acalme
sozinha, sem estímulos sensoriais, ou seja, tire-o daquele ambiente ou retire a
todos dali e retome a situação somente quando tiver certeza de que está tudo
sob controle, caso contrário estará correndo o risco de piorar tudo. As “explosões”
ocorrem porque a criança está internamente “desorganizada” e não consegue
comunicar o que está sentindo. Somente se acalmará quando se sentir
confortável, fora de perigo. No entanto, há como se evitar que situações
extremas aconteçam.
É importante
que mesmo com uma sala superlotada vocês não percam a criança de vista, para
isso, coloque-a sempre na primeira carteira, perto de suas mesas, pois a
qualquer sinal de maior ansiedade, irritabilidade, inquietude, hiperatividade,
vocês poderão sugerir que dê uma volta, tome uma água ou mesmo leve um bilhete
a algum lugar a fim de que tenha tempo para se acalmar. Num trabalho em grupo,
por exemplo, circulem pela sala, num trabalho em dupla, dêem preferência a colocá-la
junto ao colega de maior empatia e que mais tenha paciência. Outras inúmeras estratégias
são possíveis, converse, mantenha uma relação de colaboração com o professor especialista
ou com o psicopedagogo que atende a criança. Faça combinados, eles costumam ser
muito fiéis quando combinam algo!
Enfim, é sim possível
ter um Aspie em sala de aula, desde que tenhamos conhecimento de suas
características. Para isso, não hesitem em perguntar à família e à equipe que o
atende. Tenha-os como parceiros de trabalho. Conhecendo suas particularidades
vocês vão conseguir antecipar episódios disruptivos e aproveitar todo potencial
cognitivo que um Aspie pode oferecer!
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